Incerteza é o novo plano de carreira

Bru Fioreti
7 min readNov 20, 2020

2020 nos ensinou muito. Bom, ensinou para quem quis aprender. Mas o que ao menos se pôde aprender é que não controlamos muita coisa além do nosso microcosmo. E mesmo ele é mais afetado do que gostaríamos pelo que está fora de suas fronteiras.

Não que a gente não soubesse disso, mas era confortável ignorar a incerteza enorme que nos cerca e, para muitos, acreditar que a "mão invisível" resolveria tudo, da macroeconomia às nossas vidinhas. Não resolve, acabamos descobrindo.

Daí emerge uma lógica segundo a qual, sendo o mundo um caos e a humanidade um vírus sujeito a outros vírus, não valeria a pena planejar nada! Aquele desânimo que nos faz defender o "deixa acontecer naturalmente" e nos isenta da responsabilidade por planejar a vida, procurar saber mais antes de votar ou simplesmente pesquisar melhor antes de repassar uma opinião.

A postura isentona e descrente que não nos leva muito longe… Pelo menos eu acho que não.

Resolvi então retomar aqui, em texto, um pensamento que vira-e-mexe ronda a minha mente: diante do tsunami de incertezas que nos assombra, a única preparação possível é criar mecanismos para lidar com ele. Aprontar nossos botes salva-vidas, nossos fortes e nossos planos de contingência à espera da próxima megaonda que, dessa vez, nos pegaria mais prevenidos.

A lógica por trás dessa preparação para o "impreparável": as mudanças são tantas e tão velozes que, de fato, se tornaram a nossa única certeza.

Mudanças exponenciais nas tecnologias e em praticamente todos os setores. Precarização do trabalho. Empreendedorismo quase que compulsório. Novas áreas que ficam saturadas ou obsoletas em tempo recorde. Necessidade de se engajar no digital para tocar mesmo os negócios mais analógicos. Consumo político mudando as relações de comunicação e vendas de marcas físicas e jurídicas. Impaciência generalizada.

E a lista de mudanças velozes se agiganta, com suas consequências boas e ruins.

Só sei que nada sei (muito menos sei exatamente o que virá). Está aí um aforismo bem adequado às nossas carreiras nos próximos 10, 20, 30 anos.

O que penso é simples: não seria essa visão, por si só, suficiente para aplacar um pouco da ansiedade pelas mudanças? Com consciência e sem tanto ranço com volatilidade do cenário, criar um novo tipo de plano, um plano de preparação para a mudança perene, com toda a complexidade e todos os paradoxos que essa combinação de termos encerra.

Pela experiência, percebo que planejar dá aquele acalento, principalmente para os mais controladores, mesmo que o novo tipo de plano seja uma espécie de obra aberta.

Passamos a ter uma ideia da parte que nos cabe e aprendemos a conviver melhor com o que não controlamos. Sabemos qual o pequeno passo dar a seguir ainda que não seja possível vislumbrar precisamente suas consequências no horizonte mais longínquo. Aprendemos a nos equilibrar nessas linhas tênues.

A parte que considero mais importante desse novo molde de plano de carreira envolve o aperfeiçoamento e a aprendizagem constantes.

Aqui não vou tratar de um dos pontos que ensino, por exemplo, no meu programa Manual de Você, no qual dou o passo a passo para vislumbrar objetivos profissionais, mudar de carreira e se colocar em experimentação, até porque isso, com algumas adaptações, pode fazer parte de um plano profissional clássico.

Objetivo, experimentação, proatividade, passo a passo, tudo isso continua válido; fundamental, eu diria. O que destaco nesse artigo é que toda essa clareza sobre os rumos profissionais simplesmente não funciona sem os tópicos que proponho a seguir — não mais.

Todo mundo já ouviu falar que não é mais só fazer curso, arrumar um emprego e esperar a promoção, que mesmo com tudo aparentemente no lugar o mundo atual pede uma coisa um tanto sufocante chamada "evolução constante".

O que é isso na prática? Como abraçar a ideia a partir de hoje? Como torná-la mais palpável e menos angustiante? É um pouco o que tento esmiuçar a seguir.

1. Crie casca na dificuldade

O primeiro aspecto do plano de carreira em contexto de incerteza é o aprendizado constante da resiliência — digo mais, da antifragilidade, conceito cunhado por Nassim Nicholas Taleb sobre a capacidade de tornar-se mais forte com as dificuldades.

Veja: não é apenas superar ou driblar problemas e conseguir voltar ao eixo (a resiliência), mas se favorecer com as contingências desfavoráveis. Crescer na dor, criar casca, multiplicar seus tentáculos no caos.

Quando digo que a incerteza é o novo plano de carreira é disso que estou falando.

De a gente não só aprender a lidar com o desconhecido, mas de aprender a se beneficiar dele. De abraçar de uma vez por todas esse viés do mundo em que vivemos e procurar mais do que adaptação, crescimento em meio às interpéries. Em vez de reclamar, procurar soluções, se arriscar, resolver, avançar. E, por que não?, arriscar mudar aquilo que desagrada.

Extrair do fato de vivermos em plena mudança e volatilidade nossa coragem para ousar, para mudar o que for preciso rapidamente e se antecipar a demandas. Para, quem sabe, aprender a amar o jogo de perdas e ganhos, essa aventura pós-moderna antiestabilidade.

Claro — claro — que essa é uma explanação para te estimular a pensar em como se tornar antifrágil na sua profissão. Não é sobre romantizar as dificuldades e as perdas, mas agregar a expressão (e a mentalidade) antifrágil ao seu vocabulário profissional.

Por que, goste ou não, você pode precisar dela.

2. Apenas melhore

O segundo tópico do plano de carreira desses tempos é criar mecanismos de melhoria contínua de habilidades em geral, da sua área técnica, das soft skills, do que for possível.

Essa é uma das coisas que mais estimulo no Manual de Você e quero reforçar aqui pra você, que nunca fez um programa do tipo: o plano de desenvolvimento de habilidades, que sempre foi uma realidade para altos executivos muito bem assessorados, agora deveria ser para todos.

A razão mercadológica você já sabe: as mudanças rápidas do mundo e a saturação das áreas, a competicão. Mas pense também nas razões mais nobres, como a sua necessidade como ser humano de evoluir, a grande probabilidade de querer mudar de área nos próximos anos ou ainda a necessidade de contribuir com grandes causas que lhe são caras.

Por tudo isso, e mais, desenvolver as habilidades humanas, as soft skills, se tornou um tema tão hype nos últimos anos.

Criatividade, empatia, escuta ativa, inteligência emocional e social, comunicação… A lista é vasta e você pode usar dois approaches: começar a trabalhar as que são naturalmente mais desenvolvidas (o que as converte em diferenciais) ou focar nas que estão em falta (o que previne problemas profissionais, provavelmente).

Geralmente essas habilidades são trabalhadas com mais consciência nas relações, inclusive pessoais, em processos de terapia, coaching, atividades físicas (sim, está tudo conectado)… Pesquise suas formas.

E, claro, além das soft skills, as habilidades da sua área de atuação precisam constar no plano. Não se contentar com o que aprendeu há 5 anos é mais que atualização, é sobrevivência profissional.

Tipo isso. Nunca deixar de estar lendo um livro da área, sempre com uma nova formação em vista, caprichando na prática profissional (sem experiência ninguém cresce), absorvendo melhor os feedbacks, pesquisando e até se aprofundando em outras áreas além da sua.

E essa última observação nos leva ao tópico seguinte.

3. Abrace seu potencial slash

O terceiro ponto é justamente a variedade de frentes de trabalho, a pluralidade profissional — ou pode chamar de carreira slash, se preferir. O termo se refere a profissionais que fazem isso/aquilo/aquilo outro. Ou seja, se dividem em mais de uma atividade ou área de atuação.

Têm múltiplas carreiras contidas numa só.

Muita gente já se identifica com esse modelo, mas mesmo quem não se enxerga como slash pode começar a abraçar sua multiplicidade como forma de lidar melhor com a incerteza.

Primeiro, por razões óbvias: ter mais de uma fonte de ganhos quando o cenário mudar.

Segundo, porque essa divisão de interesses pode ajudar na criatividade, influenciar na forma de atuação na profissão "core" (a principal) e viral diferencial, agregar à produção de conteúdo, para quem trabalha sua marca pessoal na rede social…

Ou seja, ser slash amplia a visão e isso é extremamente favorável em circunstâncias incertas.

Bem aquilo de não ter todos os ovos numa cesta só — e aqui falamos da cesta do dinheiro, do conhecimento, das referências, dos contatos, da experiência.

4. Saia da sua toca

O quarto e não menos importante aspecto é, apesar de todo o foco no "eu" que os tópicos anteriores podem sugerir, se relacionar com as pessoas e saber o que está acontecendo no mundo.

Não mais só na sua cena, no seu quadradinho de atuação, mas na peça toda, entende? Acontecimentos políticos, econômicos, sociais, de entretenimento, digitais, analógicos… tudo está mais conectado do que nunca e saber ligar as pontas é diferencial de mercado.

Saber ler os cenários e os movimentos da sociedade deixa de ser privilégio dos apaixonados por Humanidades para ser pré-requisito de todo profissional que se pretende atualizado.

Isolar-se numa torre? Não dá mais, lamento.

Por mais ermitão que alguém possa ser, interessar-se pelo outro, pelo planeta e pelas tecnologias novas — ao menos por esses 3 aspectos — vira parte do job, vale a pena fazer.

Retomar aquela curiosidade que pode estar adormecida e se abrir a ideias diferentes das suas é um começo simples e que está aí, na palma da mão. Sim, porque dá para começar essa triagem do que está acontecendo fora da sua bolha pelo celular.

Pense, quem sabe, em reservar tempo para cumprir as etapas acima, escrever no papel como pretende se desenvolver em cada uma e começar pra ontem. Lembra que falei de diminuir a angústia com a tal "evolução constante"? Esse plano e sua execução gradual ajuda muito a diminuir a ansiedade, já que você se sente fazendo algo por você, se atualizando e se tornando um profissional melhor.

Ficar parado, nesse caso, só aumenta a sensação de estar pra trás, por fora. Ir se mexendo aos poucos é o avesso disso.

No mais, é confiar no processo, no poder da melhoria contínua e em como ela nos leva para o próximo nível no longo prazo. Afinal, estamos falando de hoje, mas também das próximas décadas.

Não sabemos como elas serão, mas sabemos que podemos ter evoluído muito até lá.

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